A Coreia do Norte é um dos países mais herméticos – e um dos mais
misteriosos - do mundo. Pouco se conhece sobre a sua cultura e muito menos
sobre a sua dança. A coreógrafa sul-coreana Eun-Me Ahn tentou uma
aproximação, guiada pela curiosidade e pela imaginação. O resultado, pleno de
virtuosismo e cor, pode descobrir-se no último dia do DDD de 2021. North
Korea Dance é um espetáculo estonteante, à altura da grandiosidade do palco
do Coliseu Porto Ageas.
“Durante muito tempo, e até recentemente, as relações entre as Coreias do Sul e
do Norte foram muito tensas. Quando cresci, o Norte era o inimigo. Tudo era
assustador e praticamente não tínhamos qualquer informação. Era uma espécie de
tabu. Mas sempre tive curiosidade de saber que tipo de dança se fazia por lá.
Afinal de contas, temos as mesmas raízes”, conta a mais internacional das
coreografas sul-coreanas a quem um crítico chamou, um dia, a “Pina Bausch da
Ásia”.
North Korea Dance é, inequivocamente, um espetáculo indissociável do seu
contexto político: “A situação entre as duas Coreias melhorou, entretanto, e há
até quem fale de uma união. Creio que estamos longe disso, mas acredito que os
artistas têm um papel fundamental na evolução das mentalidades e ajudam-nos na
compressão mútua. A dança é um instrumento fantástico para esse fim: é uma
linguagem universal que cria pontes através do movimento. Às vezes, até mais pontes
do que as palavras criariam. Com este espetáculo gostava que as duas Coreias se
reconhecessem e se aproximassem através do movimento”.
O processo criativo de North Korea Dance esbarrou, inevitavelmente, com
as fronteiras físicas. Face à impossibilidade de uma pesquisa in loco, o
YouTube tornou-se uma ferramenta de trabalho indispensável: “Vi tudo, saltando
de género em género, dos ballets de propaganda dos anos 1950 até à época mais
recente em que, num contexto mais relaxado, os formatos se tornaram mais leves,
juntando bailarinos folclóricos e tradicionais”.
O passo seguinte envolveria os bailarinos, num trabalho físico
intenso que evitou o mimetismo: “Usei cerca de dez desses vídeos como base de
trabalho para as coreografias. Os ballets de propaganda, por exemplo, são muito
diferentes dos que fazemos na Coreia do Sul. Não quisemos reproduzi-los
exatamente porque jamais o faríamos tão bem quanto os originais. Escolhi alguns
formatos onde se vislumbravam semelhanças com o que fazíamos no meu país porque
isso também me oferecia mais liberdade para transcrever os movimentos e depois
distorcê-los à minha maneira. Com esta base, começamos a reproduzir
coreografias para entender os movimentos, apropriarmo-nos deles e das suas
especificidades”.
Rapidamente, Eun-Me Ahn e os seus dez bailarinos aperceberam-se das
diferenças. As coreografias do Norte eram, diz, mais exigentes; convocavam mais
músculos para o esforço de um movimento pouco natural. “Os bailarinos
incorporaram esse vocabulário, confrontaram-no com o seu, e algo muito
interessante emergiu desse confronto, algo que eu não conseguira prever no
início dos ensaios. Não se trata de copiar e de reproduzir coreografias
preexistentes. Elas foram a base para eu oferecer a minha perspetiva artística
enquanto Coreana do Sul sobre uma dança diferente, mas não muito longínqua, da
do meu país. Quem sabe não estaremos perante uma dança com um vocabulário
unificado de uma península unificada, ou perante a dança de um Futuro
desconhecido”.
Eun-Me Ahn foi entrevistada em junho de 2020.
Eun-Me Ahn
North Korea Dance
02.05.2021 - 17H00
Coliseu Porto Ageas
15 ABR — 02 MAI 2021
Porto
MatosinhoS
Gaia